Ando
com uma enorme falta de vontade para estudar. A matéria não ajuda nada:
basicamente mais não é que perceber como determinado instrumento funciona e pode ser útil para dado
fim. Ora, não tendo um fim em vista, o interesse pelos meios que me
permitiriam, eventualmente, alcançar esse hipotético objectivo abandona-me mal
me debruço sobre os papéis.
Se
não se importassem queria esboçar aqui um cenário, hipotético, fantasioso, que
talvez me desperte algum interesse, frágil, efémero, sobre a dita matéria.
(Este post só serve um propósito egoísta; recomendo que ninguém perca
tempo a ler isto.)
*
Vem
aí a noite de São João, as vinte e quatro horas mais loucas e concorridas do Porto
no ano inteiro – e sem dúvida uma óptima oportunidade para fazer uma grande
festa e um grande negócio. Ora, eu e um amigo abrimos no ano passado um
café-restaurante, o JnB,
que ao fim de semana acolhe concertos de jazz e blues e nos dias úteis é palco
de conferências, apresentações de livros, debates, tertúlias. Ocupa um velho
casarão no pitoresco e degradado Largo do Moinho de Vento (aos Clérigos) que,
ao cabo de tantos anos de indiferença tanto por parte da Câmara como do
público, é agora dinamizado por nossa iniciativa, com pequenos concertos ao fim
da tarde (quando o tempo o permite) e uma feira de discos, livros, roupa,
enfim, toda a parafernália em segunda mão possível e imaginada por quem lá vai
vender e comprar.
Este
ano planeamos instalar-nos definitivamente no dito largo na noite de São João.
Para além do dinheiro e da publicidade, move-nos a festa e a música. Assim,
quem lá for pode contar com um fornecimento non-stop de sardinha assada, broa,
fêveras e caldo verde – para encher a bucha – sangria, verde, maduro tinto e
branco, super bock e as “comerciais” brancas – para embalonar o espírito. A
música já é ensaiada pelos artistas da casa desde o Natal. Do seu trabalho e
reportório resultou um novo híbrido musical, o Dixie-Fado, uma transfiguração
das antigas marchas e fados-canção da primeira metade do século, através de
arranjos rítmicos que nos soam ao fim de um dia de trabalho numa qualquer
cidade nas margens do Mississipi. Aos metais de sopro e à precursão juntam-se
as vozes vencedoras do Concurso de Cantadeiras do Círculo Católico de Operários
do Porto. Banda e canto animarão o largo do fim da tarde até à meia-noite,
altura em que será feita uma pausa para que o fogo de artifício nos Aliados
encha o olho dos presentes. Em seguida entram em palco os Real Combo Lisbonense
que substituem a Dixie Banda enquanto esta, com o alho e as ervas na mão, o
estandarte do Café na outra, os instrumentos sabe-se lá onde, partem em rusga
sanjoanina pela Baixa, primeiro para a Cordoaria, depois pelos Caldeireiros até
às Flores, ao Infante e Miragaia e bairro adentro subindo por Tomás Gonzaga, à
Vitória e, finalmente, de volta ao Moinho de Vento. São por esta altura três e
meia da manhã, o bailarico jazzistico dos Real Combo prepara-se para o último encore. É a vez dos DJs da Rádio M80 tomarem
conta do público e remisturarem a melhor música portuguesa cozinhada nos anos
70, 80 e 90. É quase de manhã e continuam a sair sardinhas e caldo verde.
Agora
mãos à obra: é preciso preparar a devida informação financeira (previsional,
claro) para aliciar sócios que ajudem a financiar o regabofe. Fornecedores de
material (equipamento musical e electrónico, decoração, comida, mobiliário,
etc. etc.), licenças na Câmara e no Governo Civil, segurança adicional em caso
de desgraça, publicidade e divulgação, empréstimo do financiamento residual que
não for possível angariar e os seus custos, …; e não esquecer de
traduzir em números redondos (bem redondos) os impactos positivos do projecto
no negócio! – dar a conhecer o conceito a um novo e vasto público, prestigiar a
marca, conquistar presença na comunicação social que anda noite fora a
reportar as festividades, aumentar o capital cultural associado ao nome do
Café.
Enfim,
depois de estar tudo isto feito começo por apresentar a ideia aos meus
vizinhos; aos meus concorrentes, melhor dizendo: o Progresso (mesmo em frente),
a Casa Viúva e a Casa Susana, que partilham o largo connosco. Não será difícil
convencê-los já que, vendo bem, os custos com os artistas serão quase na
totalidade suportados por nós. Dividiremos os encargos do equipamento e
decoração. Cada casa terá a sua própria banca e cada uma venderá um conjunto de
produtos específicos, de forma a não por em causa as receitas dos
outros. Chegando a um acordo, será apresentada toda a documentação
financeira aos bancos que se propuserem a financiar parte do custo do projecto,
a seis ou mais meses. Finalmente, será feito o devido choradinho junto da
Vereadora da Animação e Cultura, a Dra. Guilhermina Rego, para que nos ceda uns
trocos para pagar, pelo menos, à polícia e alguns cartazes; ou, se o
ímpeto de austeridade até isso impossibilitar, ao menos uma referenciazita no
site e revista da Câmara.
Nota:
falar à associação de feirantes. É imprescindível a presença de uma senhora com
voz possante a vender alho, cravos, cidreira e manjerico. Pronto, martelos
também.
Nota
2: arranjar um esquema para impedir a entrada de Vuvuzelas (sugestão a
ponderar: cobrar o dobro a quem andar com uma).
*
Não
sei se isto terá os efeitos que eu espero que tenha no meu estudo. Vou
agora tentar. Desculpem o espaço ocupado e santa paciência aos que leram
tudo.
publicado em 21.06.2010