Caso Prático nº 24/6


Ando com uma enorme falta de vontade para estudar. A matéria não ajuda nada: basicamente mais não é que perceber como determinado instrumento funciona e pode ser útil para dado fim. Ora, não tendo um fim em vista, o interesse pelos meios que me permitiriam, eventualmente, alcançar esse hipotético objectivo abandona-me mal me debruço sobre os papéis.
 Se não se importassem queria esboçar aqui um cenário, hipotético, fantasioso, que talvez me desperte algum interesse, frágil, efémero, sobre a dita matéria. (Este post só serve um propósito egoísta; recomendo que ninguém perca tempo a ler isto.)
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Vem aí a noite de São João, as vinte e quatro horas mais loucas e concorridas do Porto no ano inteiro – e sem dúvida uma óptima oportunidade para fazer uma grande festa e um grande negócio. Ora, eu e um amigo abrimos no ano passado um café-restaurante, o JnB, que ao fim de semana acolhe concertos de jazz e blues e nos dias úteis é palco de conferências, apresentações de livros, debates, tertúlias. Ocupa um velho casarão no pitoresco e degradado Largo do Moinho de Vento (aos Clérigos) que, ao cabo de tantos anos de indiferença tanto por parte da Câmara como do público, é agora dinamizado por nossa iniciativa, com pequenos concertos ao fim da tarde (quando o tempo o permite) e uma feira de discos, livros, roupa, enfim, toda a parafernália em segunda mão possível e imaginada por quem lá vai vender e comprar.
Este ano planeamos instalar-nos definitivamente no dito largo na noite de São João. Para além do dinheiro e da publicidade, move-nos a festa e a música. Assim, quem lá for pode contar com um fornecimento non-stop de sardinha assada, broa, fêveras e caldo verde – para encher a bucha – sangria, verde, maduro tinto e branco, super bock e as “comerciais” brancas – para embalonar o espírito. A música já é ensaiada pelos artistas da casa desde o Natal. Do seu trabalho e reportório resultou um novo híbrido musical, o Dixie-Fado, uma transfiguração das antigas marchas e fados-canção da primeira metade do século, através de arranjos rítmicos que nos soam ao fim de um dia de trabalho numa qualquer cidade nas margens do Mississipi. Aos metais de sopro e à precursão juntam-se as vozes vencedoras do Concurso de Cantadeiras do Círculo Católico de Operários do Porto. Banda e canto animarão o largo do fim da tarde até à meia-noite, altura em que será feita uma pausa para que o fogo de artifício nos Aliados encha o olho dos presentes. Em seguida entram em palco os Real Combo Lisbonense que substituem a Dixie Banda enquanto esta, com o alho e as ervas na mão, o estandarte do Café na outra, os instrumentos sabe-se lá onde, partem em rusga sanjoanina pela Baixa, primeiro para a Cordoaria, depois pelos Caldeireiros até às Flores, ao Infante e Miragaia e bairro adentro subindo por Tomás Gonzaga, à Vitória e, finalmente, de volta ao Moinho de Vento. São por esta altura três e meia da manhã, o bailarico jazzistico dos Real Combo prepara-se para o último encore. É a vez dos DJs da Rádio M80 tomarem conta do público e remisturarem a melhor música portuguesa cozinhada nos anos 70, 80 e 90. É quase de manhã e continuam a sair sardinhas e caldo verde.
Agora mãos à obra: é preciso preparar a devida informação financeira (previsional, claro) para aliciar sócios que ajudem a financiar o regabofe. Fornecedores de material (equipamento musical e electrónico, decoração, comida, mobiliário, etc. etc.), licenças na Câmara e no Governo Civil, segurança adicional em caso de desgraça, publicidade e divulgação, empréstimo do financiamento residual que não for possível angariar e os seus custos, …; e não esquecer de traduzir em números redondos (bem redondos) os impactos positivos do projecto no negócio! – dar a conhecer o conceito a um novo e vasto público, prestigiar a marca, conquistar presença na comunicação social que anda noite fora a reportar as festividades, aumentar o capital cultural associado ao nome do Café.
Enfim, depois de estar tudo isto feito começo por apresentar a ideia aos meus vizinhos; aos meus concorrentes, melhor dizendo: o Progresso (mesmo em frente), a Casa Viúva e a Casa Susana, que partilham o largo connosco. Não será difícil convencê-los já que, vendo bem, os custos com os artistas serão quase na totalidade suportados por nós. Dividiremos os encargos do equipamento e decoração. Cada casa terá a sua própria banca e cada uma venderá um conjunto de produtos específicos, de forma a não por em causa as receitas dos outros. Chegando a um acordo, será apresentada toda a documentação financeira aos bancos que se propuserem a financiar parte do custo do projecto, a seis ou mais meses. Finalmente, será feito o devido choradinho junto da Vereadora da Animação e Cultura, a Dra. Guilhermina Rego, para que nos ceda uns trocos para pagar, pelo menos, à polícia e alguns cartazes; ou, se o ímpeto de austeridade até isso impossibilitar, ao menos uma referenciazita no site e revista da Câmara.
Nota: falar à associação de feirantes. É imprescindível a presença de uma senhora com voz possante a vender alho, cravos, cidreira e manjerico. Pronto, martelos também.
Nota 2: arranjar um esquema para impedir a entrada de Vuvuzelas (sugestão a ponderar: cobrar o dobro a quem andar com uma).
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Não sei se isto terá os efeitos que eu espero que tenha no meu estudo. Vou agora tentar. Desculpem o espaço ocupado e santa paciência aos que leram tudo.


publicado em 21.06.2010