Sábado ao fim da tarde, rua de Sá da Bandeira. Após três
horas perdidas na esplanada de um café qualquer com alguns amigos, volto para
casa. Subo a rua em direcção ao carro, reparo nas árvores plantadas durante a
Capital da Cultura e na frondosa folhagem que ganharam (foi-se o Rivoli
mas ficou o bom urbanismo…). No meio dos prédios Português Suave da altura do
fim do Estado Novo (Lisboa tem as Avenidas Novas, o Porto um punhado de ruas a
nascente dos Aliados) fica, para interesse do leitor mais curioso, a capela de
Fradelos, vestígio de um tempo em que a Rua do Bonjardim se chamava
Estrada de Guimarães e no Via Catarina havia uma grande horta. A singela
capelinha é rodeada por monstros do modernismo arquitectónico como o são o
Hotel Dom Henrique, a torre do JN e – qual rei dos mamarrachos – o Silo-Auto.
Mas calma, não escrevo estas linhas para cascar nos abortos estéticos que se
construíram em plena Baixa do Porto há trinta ou quarenta anos. Dizia eu, a
chegar à capela de Fradelos, que quem lá for depara com um jardim sombrio,
muito mal arranjado e adornado com hidranjas, jarros e aquelas plantas que
parecem couves de Bruxelas e que dão uma flor roxa. Admirava eu, então, este
enquadramento idílico; reparava, agora, o seu objecto central: um casal de
cinquentões (talvez, ou não, quem sabe) sentados num banco de aspecto
desconfortável, inclinados e com os peitos encostados, ela apoiando-se com a
mão esquerda no ombro dele, ele roçando-lhe o pescoço com o bigode; ela, com a
mão direita dentro das calças dele, esfregava com uma ternura emocionante; ele
retribuía-lhe o gesto e a ternura sincera, com alguns dedos (saber quantos
seria indiscreto). Olhavam-se e sorriam como putos. Ela dizia-lhe algumas
palavras carinhosas e ele beijava-lhe a ponta do nariz. Embalado no romantismo
da coisa, e no respeito que merece, virei a cara para o outro lado da rua e
continuei a contemplar arquitectura medíocre. Dois minutos passaram, voltei a
cara: abraçavam-se apaixonadamente, já não ofegavam tanto, aliviados; ele,
deitando-se no colo dela, afagava-lhe a cara. Ela, se realmente estivesse
a vender toda aquela paixão, teria de ser incluída na categoria que atribuem às
lojinhas pitorescas da província ou dos centros históricos conhecidas por ainda
venderem bolo-rei segundo a receita original ou por terem as melhores pencas no
Natal. Mas não creio. Atrás deles reparei numa estátua de arte moderna, de
certeza posta lá para remediar o descuido e dar algum encanto ao jardim.
Tentativa falhada, obviamente, ou não fosse uma daquelas obras da escola
artística da bosta de vaca empilhada em torre gótica. No entanto, o cenário
enquadrava harmoniosamente também este elemento e dava à palavra escrita a
maiúsculas na base da estátua um título místico a toda a história, e
recordava-me que jamais terei talento ou genuinidade para inventar a ironia de
que o povo acusa o destino; resta-me continuar a vadiar por aí. Maturidade.
publicado em 16.08.2010