O retorno


Eu nunca fui a África nem nunca conheci as pessoas que por lá andaram a construir o Império. Mal conheço a metrópole – então isto é que é a metrópole – a de hoje e a dos tempos em que ainda havia Nação e Império. Mas tenho lido sobre as pessoas que fugiram da fome e da miséria e que atravessaram o mar até ao Brasil, Angola, Moçambique, houve até quem chegasse à Índia. A fuga da pobreza que lhes sacudiu o pesar dos costumes, da gente, do fardo das tradições do respeito a conformarem-se, e começaram a usar roupas de outras cores (na metrópole só vestem de cinzento e bege) e a falar com a boca toda. E ao deitarem as mãos à terra e à gente que nela havia, a terra fazia-se generosa e dava-lhes razões para gozarem todas as vidas, todos os dias.
Então isto é que foi o Império.
Todos os paraísos são fugazes  vem da própria definição, salvo erro. Quem regressa à terra cinzenta não espere que as bocas das palavras abertas se pareçam às bocas caladas pela fome, as roupas das cores da terra fértil se misturem com os trapos da miséria. E o pior é a sede quem têm aqueles que nunca viram o fruto, quanto mais prová-lo. É natural que odeiem quem escapou da vida e foi abençoado.
Quem vai ao paraíso e volta vive duas vezes, mas a segunda morte é sempre proporcional ao privilégio concedido, e a segunda vida será um constante martírio enquanto o corpo não se habituar de novo à terra que não dá frutos e à gente que não sabe o seu sabor. E por isso custa duas vezes o fardo da miséria e da fome da vida que se deixou.
Enfim. Já se deve ter escrito tudo sobre O retorno de Dulce Maria Cardoso. Digo apenas que este livro, a par do Tabu (em baixo), me veio ensinar que África foi o penúltimo paraíso que a história ofereceu à nossa sofrida querida terra cinzenta. Mas já lá vai, e a vida que se seguiu ao sonho custou-nos muitos soluços aflitivos e, pior, a angustiante lembrança desse tempo maravilhoso ter alguma vez existido.
O último paraíso. A Europa também já acabou.


publicado em 22.03.2013