Alameda do Cais das Pedras

Hoje vim para casa pelo caminho que costumo fazer todos os dias. À hora do costume, pelo percurso habitual. O rio à minha esquerda, o casario à direita, nenhum tinha trocado de lugar, como de costume.
Cruzei-me com os meus conhecidos habituais, não gente de carne e osso, coisas simplesmente. O eléctrico, a ponte, o bairro ao longe, o casario na outra margem, as palmeiras, o farol. Conheço-os de nome, de falar neles, de os usar como cenário das minhas histórias, de serem usados como cenários nas histórias dos outros.
Aqueles homens sentados ali à volta da fonte, de que falam? Em roda, discutem entre si, à antiga. Do outro lado desce uma mulher, atarefada como alguém sempre está às onze da manhã. Uma mão no ar deste lado, um sorriso aberto e descarado do outro – não é o Bom Dia seco dos que inventaram as boas maneiras descartáveis; é o pessoal e intransmissível de que de tanto se fala, está na voz de quem o diz, recolhe o ambiente do lugar e chega, pintado por essas cores, a quem o ouve.
Ouve-se uma gargalhada da mulher, ouve-se pintada pelo eléctrico, pela ponte, pelo bairro, pelo rio. Os homens voltam à discussão; algum que se exalta e logo vira as costas, dá dois passos e volta à roda. Redimiu-se neste gesto, os ressentimentos o rio que os leve. A roda está refeita, de pressa se volta à conversa que daí a um bocado há que trabalhar.
Passo por eles. Nada lhes digo, não tenho o eléctrico, a ponte, o bairro e o rio como amigos (talvez este último o seja), não iriam entender o meu falar, pintado por outras cores que não estas. Paro e baixo os olhos.
A mulher sai do café, riposta com nova graça em direcção à roda. A graça passa também por mim e pelo eléctrico e pela ponte e pelo bairro e pelo rio e entra na roda também pintada pela minha cor. Ergo o olhar e percebo que já me entendem. Sorrio descarado, como a mulher me ensinara, para a roda e para o outro lado da rua. Recebem-no com as cores que pintam a alameda, mais as que trago de casa, mais as que levo ao sítio onde vou. E sinto-me bem.
Amanhã não estará lá a roda, nem a mulher. Estarão outros, ilustres desconhecidos; e estarei eu, mais o eléctrico, a ponte, o bairro e o rio. Não nos conheceremos, mas os nossos quatro amigos farão as devidas apresentações, da maneira que só eles o sabem fazer. É a única certeza que tenho do que acontecerá amanhã.